A ENCCLA, SUAS INICIATIVAS, E A AUSÊNCIA DE REPRESENTATIVIDADE DA SOCIEDADE CIVIL
- 20 de março de 2018
- Por: IBC Compliance
- Categoria: Artigos
Por James Walker Jr
Nos últimos anos a corrupção tem sido apontada como um dos maiores flagelos sociais do país por grande parte da nossa população. Segundo recente pesquisa do IBOPE[1], a corrupção ultrapassou questões como saúde e violência, dentre as principais preocupações dos brasileiros.
Embora incontáveis iniciativas de combate à corrupção estejam sendo implementadas no país, de 2017 para 2018 o Brasil caiu 17 postos em um ranking internacional de percepção da corrupção[2], passando do 79º lugar para a 96º posição, ao lado da Zâmbia, Colômbia, Panamá e ficando atrás de países como Ruanda, Burkina Fasso, Timor Leste, entre outros que, não obstante, mereçam nosso irrestrito respeito, mas não aportam o mesmo grau de investimento governamental que o Brasil despende com o combate sistêmico à corrupção.
Para fomentar debates e iniciativas de contenção da Corrupção e a Lavagem de Dinheiro, foi instituída, em 2003, sob a coordenação do Ministério da Justiça, a ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, composta por mais de 70 órgãos e entidades, envolvendo os três poderes da República, Ministério Público (federal e estadual), ABIN; CVM; CGU; AGU, POLÍCIA FEDERAL, entre outras instituições, porém, ainda muito pouco conhecida da sociedade, e até de muitos estudiosos do tema corrupção..
Não obstante, em que pese a criação de uma entidade plural, com objetivos de elevado interesse social, verifica-se, de plano, a absoluta ausência de organismos ou associações que representem a sociedade civil, como a OAB Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, considerando-se que a ENCCLA abriga, e defere assento, a diversas entidades, tais como: Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE); Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); Associação Nacional do Ministério Público de Constas (AMPCON), Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), entre outras[3].
Com efeito, anualmente a ENCCLA se reúne, em sessão plenária, através daqueles órgãos participantes (estéril de representantes da sociedade civil), com o objetivo de propor e estruturar ações que, a princípio, devem ser implementadas a partir do ano seguinte e, para tanto, criam-se GTs (Grupos de Trabalho), formados pelos órgãos e instituições que compõem a ENCCLA.
Como referência, destaca-se que na última reunião plenária, realizada entre os dias 20 e 24 de novembro de 2017, em Campina Grande-PB, com objetivo de traçar as metas para 2018, foram aprovadas 11 Ações e 02 Declarações[4] a serem implementadas no decorrer deste ano.
Consideradas medidas de extrema importância ao enfrentamento de práticas criminosas no país, foram aprovadas na XV Reunião Plenária da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, ENCCLA 2018, em Campina Grande-PB, as seguintes ações:
Ação 1 – Elaborar e aprovar Plano Nacional de Combate à Corrupção
Ação 2 – Propor aprimoramento na gestão de bens apreendidos no processo penal e nas ações de improbidade administrativa
Ação 3 – Elaborar diagnóstico e propor medidas visando fortalecer o combate às fraudes nos contratos de gestão da saúde pública
Ação 4 – Criar instrumentos para dar publicidade às notas fiscais emitidas para órgãos e entidades de todos os poderes na administração pública em todos os entes da federação
Ação 5 – Elaborar propostas de medidas voltadas ao combate à corrupção privada
Ação 6 – Consolidar a estratégia para fortalecer a Prevenção Primária da Corrupção
Ação 7 – Implementar medidas de restrição e controle do uso de dinheiro em espécie
Ação 8 – Aprofundar os estudos sobre a utilização de moedas virtuais para fins de lavagem de dinheiro e eventualmente apresentar propostas para regulamentação ou adequações legislativas
Ação 9 – Preparar os sistemas de extração de dados estruturados para a geração de dados estatísticos para a Avaliação Nacional de Risco (ANR) e para as avaliações de organismos internacionais
Ação 10 – Fortalecer os marcos normativos da atuação da PREVIC e da SPREV no que se refere a entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) e a Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS)
Ação 11 – Aperfeiçoar a atuação das Polícias Civis na investigação de crimes de lavagem de dinheiro
Resultou daquele encontro uma série de propostas, todas de absoluto interesse nacional e da sociedade, ainda que, ao nosso sentir, não exista, dentro dos órgãos e instituições componentes da ENCCLA, um único organismo de representação da sociedade civil, o que faz com que, de certa forma, as iniciativas sejam marcadas, em sua gênese, por vícios de representatividade e legitimidade.
As reuniões plenárias já produziram resultados significativos[5], tais como: a criação da Métrica ENCCLA de Transparência; o Laboratório de Tecnologia contra a lavagem de Dinheiro; criação das Delegacias Especializadas em Crimes Financeiros no âmbito do Departamento de Polícia Federal; a criação do Programa Nacional de Prevenção Primária à Corrupção (PNPPC), criação do Sistema Nacional de Bens Apreendidos (SNBA); criação do Cadastro Nacional de Entidades (CNEs); criação do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspeitas (CEIS), mantido pela CGU; foi responsável pela definição do conceito de Pessoas Politicamente Expostas (PEPs), criação do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento no Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (PNLD), com mais de 18 mil agentes públicos já treinados, entre outras importantes iniciativas, mas que, ainda assim, o que se observou de 2017 para 2018 foi um aumento significativo da percepção da corrupção no país, com brusca queda do Brasil do ranking de corrupção da Transparência Internacional.
Exsurge da análise crítica desse extraordinário instrumento de discussão, debate e aperfeiçoamento das iniciativas anticorrupção e lavagem de dinheiro no país, que falta ao mesmo, para alcançar maior efetividade, que suas portas se abram ao debate democrático perante a sociedade, sobretudo com a inclusão de instituições que, historicamente, assumem o protagonismo de representatividade da sociedade civil.
A corrupção deve ser vista como um problema social, político e jurídico e, nesta perspectiva, não pode ser debatida e tratada somente intra muros do poder público, de forma verticalizada, estéril de legitimação social, sob pena de se tornarem infecundas muitas de suas iniciativas. Se a corrupção é um mal social, que não se exclua do debate o paciente que agoniza, a sociedade.
Em epílogo, reitera-se que a ENCCLA é uma iniciativa louvável, de extrema relevância, mas que, até aqui, deixou a participação da sociedade na lateralidade, privilegiando órgãos e instituições de governo e estado, preterindo a abertura democrática dos debates e propostas de soluções do maior flagelo social contemporâneo, a corrupção.
[1] Disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/corrupcao-dispara-e-supera-saude-e-seguranca-como-principal-preocupacao-de-brasileiro-aponta-ibope/. Visto em 15/03/2018.
[2] Disponível em: https://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_index_2017. Acessado em 15/03/2018.
[3] Veja lista completa de entidades com assento na ENCCLA: http://www.justica.gov.br/sua-protecao/lavagem-de-dinheiro/enccla/participantes-da-enccla. Acessado em 16/03/2018.
[4] Para conhecer na íntegra as ações e declarações da ENCCLA aprovadas na Reunião Plenária de 2017, acesse: http://enccla.camara.leg.br/acoes/acoes-de-2018. Visto em 19/03/2018.
[5] Para conhecer os principais resultados da ENCCLA, acesse: http://enccla.camara.leg.br/resultados/principais-resultados. Visto em 19/03/2018.
James Walker Júnior
Advogado criminalista e professor, doutorando em ciências jurídicas pela UAL – Universidade Autônoma de Lisboa, presidente da ABRACRIM-RJ e do IBC – Instituto Brasileiro de Compliance, presidente da Comissão de Compliance e Anticorrupção da OAB Barra da Tijuca – RJ, especialista em Direito Penal e Compliance pela Universidade de Coimbra, especialista em Corporate e Criminal Compliance pela Fordham University – NY, professor da pós-graduação em Compliance da FGV-Rio e da pós-graduação em Direito penal Econômico do IBMEC.