TRABALHO É EVITAR QUE COMPLIANCE FIQUE ‘SÓ NO PAPEL’, DIZ MONITOR DA ODEBRECHT

A gigantesca procura pelo Compliance está criando uma deformidade na prestação de serviços dessa natureza.

Há diversos indivíduos e empresas oferecendo “Programas de Compliance” que não atendem, absolutamente, os requisitos de integridade exigidos por lei.

São os chamados “programas de papel” criando um “mercado de papel”.

Há casos em que os supostos especialistas entregam uma série de formulários e questionários ao cliente (pessoa jurídica), oferecem um treinamento para um de seus colaboradores e “Shazam!!”, está pronto o “programa de Compliance “.

Quem paga mal, paga duas vezes, no jargão jurídico.

Para além disso, no momento que mais precisar, a empresa não contará com os benefícios legais de um programa (reduções de multas, por exemplo), vez que a inadequação desses falsos programas impedirá o benefício.a-se de um diploma com modificações significativas, devendo ser conhecido e estudado pelos profissionais do direito e, sobretudo, por quem transita pelo universo do Compliance.

IBC é Compliance!

 

Para Otavio Yazbek, fiscal da empreiteira no acordo dentro da operação Lava Jato, onda de combate à corrupção nas empresas precisa ir além de manuais anticorrupção.

Para Otavio Yazbek, monitor da Odebrecht no acordo de leniência com o Ministério Público Federal na operação Lava Jato, ao mesmo tempo em que o despertar das empresas brasileiras para os programas internos de combate à corrupção é saudável, pode criar um mercado apenas “de papel”.

“O grande problema está no fato de que quando esses discursos viram moda, você tem muito ‘paper work’. Tem muita gente que desenvolve papel, manuais prontos e começa a vender. As pessoas adotam e acham que aquilo funciona. Esse é o grande risco”.

 

Yazbek, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e doutor em direito econômico pela USP, foi eleito pela Justiça brasileira para fiscalizar se a empreiteira está de fato implementando as medidas impostas no seu acordo de leniência.

Por telefone, ele falou ao G1 sobre o trabalho que vem desenvolvendo junto à construtora e sobre o que um programa de conformidade precisa ter para funcionar.

Leia abaixo trechos da entrevista:

Como está seu trabalho junto a Odebrecht?

O que a gente pode repartir são impressões primárias. A Odebrecht tem uma cultura muito baseada em descentralização. Cada uma das entidades do grupo tem gestão própria. Embora alguns mecanismos de corrupção que apareceram na Lava Jato sejam mais ou menos centralizados, existe uma diversidade muito grande de atividades e práticas nas diversas entidades. E isso sem dúvida vai ser um dos grandes desafios.

Por quê?

Quando você fala em compliance, você tem que falar de uma base de dados que converse. Então, o primeiro grande desafio é como fazer para estender o controle sobre as diversas atividades do grupo. E, além disso, o tipo de corrupção que apareceu na Lava Jato não é tão facilmente previsível. Não estava ligado ao modelo de negócio ou à atividade-fim da empresa, mas sim a uma forma de integração da cúpula da companhia com o poder político.

Por onde a Odebrecht vai ter que começar, então?

Ela precisa primeiro ter uma forma de lidar com essa complexidade de sua estrutura de maneira adequada. Se eu tenho muitas empresas e cada uma tem um tipo de sistema, seu mecanismo de gestão, como é que eu faço para isso não virar uma torre de Babel? Para mim, o primeiro ponto é: é preciso ter alguém, em algum lugar, com capacidade de analisar criticamente o todo. Então, as primeiras questões são de governança. Quais são os órgãos que vou ter que criar? Em que medida esses órgãos têm que dialogar entre si?

E depois disso?

A partir daí, os mecanismos são mais ou menos os mesmos para todas [as empresas], só que você não pode achar que, como dizem os americanos, “one size fits all”. Um tamanho não serve para tudo, você precisa ver quais são os riscos em cada caso.

No caso da empreiteira, que riscos devem ser observados primeiro?

Duas coisas que eu acho essenciais são, primeiro, o controle das funções de tesouraria da companhia, o dinheiro que entra e sai. Quais são os controles existentes? Onde estão as margens de jogo que o gestor de cada projeto tem ou não tem? É importante criar um processo de vigilância muito rigoroso sobre a função de tesouraria. A segunda é como fazer para que a diversidade geográfica da Odebrecht, que opera em vários países, não abra espaço para práticas irregulares, já que ela lida com diferentes regimes jurídicos e regras.

Depois da Lava Jato, o compliance virou moda. Até que ponto é possível saber se esses sistemas são fruto de uma preocupação efetiva com a ética ou se existem só para evitar uma punição?

De fato virou um tema da moda. E começaram a surgir diversos prestadores de serviços dedicados a isso. Mas em que medida as pessoas estão realmente comprometidas? Me lembro de que quando eu fui diretor de regulação da antiga Bolsa de Mercadorias e Futuros, a gente criou alguns programas de controles internos. E, naquela época, isso era 2005, 2006, todo mundo adotava o mesmo [documento] padrão que algum prestador de serviço estava fazendo. O trabalho padronizado me incomoda. E acho que isso é uma tendência em muitas empresas que adotam sistemas de compliance. O grande problema é que quando esses discursos viram moda, você tem muito paper work. Tem muita gente que desenvolve papel, manuais prontos, começa a vender, as pessoas adotam e acham que aquilo funciona. Esse é o grande risco que a gente enfrenta.

Como deve ser um programa de compliance?

Tenho que pensar num programa de compliance que efetivamente responda às necessidades da empresa. Eu preciso me preocupar com os riscos aos quais estou exposto, com o tipo de funcionário que eu tenho, eu preciso ter um diagnóstico muito claro. A crítica é essencial. Eu tenho que estar o tempo todo criticando o meu programa de conformidade. Não posso simplesmente comprar um conjunto de regras, fazer uma ouvidoria, fazer treinamentos da boca para fora e achar que isso é satisfatório.

Como garantir que o sistema de compliance funcione? Porque a Odebrecht já tinha um programa, um código de ética…

Tinha. Mas tinha também, de alguma maneira, uma cultura que permitiu a prática dessas irregularidades. O grande desafio está nisso, em como garantir [o funcionamento]. Existem receitas de bolo de quais são as medidas: ter uma linha direta para denúncias, um controle da função de tesouraria, processos melhores, tudo isso é o padrão que se adota sempre. Mas o passo a mais é como ter certeza de que não será só papel. É justamente por isso que o trabalho do monitor costuma ser importante nesses processos. O monitor tem a função de tentar fazer um exercício crítico, ver se eles estão de fato implementando.

Para a gente que vê de fora, não tem como saber quais programas são efetivos ou não…

Não mesmo. É por isso que é importante ter determinadas figuras de controle. Uma empresa que está sob monitoramento como a Odebrecht, tem o monitor, tem uma série de outros mecanismos. Numa empresa comum, você tem que ter órgãos de governança. E esses órgãos têm que ter a capacidade de levantar uma bandeira vermelha, dar um sinal de alerta se for necessário.

Como é exatamente o trabalho do monitor?

O trabalho de monitor é algo novo no Brasil, mas é uma prática adotada há muito tempo nos acordos assinados com as autoridades americanas. Quando há um acordo que exige a adoção de medidas de conformidade, cabe a ele verificar se não está sendo “só papel”. Um trabalho absolutamente vazio, “para inglês ver”. Então, o que se definiu com o passar do tempo é que a companhia indica uma lista de potenciais nomes [para essa função] e a autoridade escolhe uma dessas pessoas.

Mas como essa fiscalização é feita na prática?

É um trabalho basicamente intensivo, de fazer visita, de discutir, de ver se todos os treinamentos estão funcionando, de fazer levantamento por amostragens das variáveis financeiras relevantes, essas coisas. É um trabalho, em princípio, muito de fiscalização mesmo, de acompanhamento.

Quem escolheu seu nome foi o Ministério Público Federal ou Departamento de Justiça americano?

Foram as autoridades aqui e nos EUA. O que aconteceu é que, no caso da Odebrecht, houve dois acordos de leniência, um com os EUA e outro com a Justiça brasileira. Já deveria ter no acordo norte-americano um monitor, então decidiu-se colocar essa figura no acordo brasileiro também.

Então você responde ao MPF e aos EUA?

Por conta das regras de cada país, é necessário que os monitores sejam locais. Então, eu passei por um processo de entrevista no DOJ (Departamento de Justiça dos EUA), em Washington, ao lado de outras pessoas que foram indicadas pela companhia, e fui selecionado nesse processo. Mas também tem um advogado americano [Charles Duross, do escritório Morrison Foerster, ex-funcionário do DOJ], que é o monitor da Odebrecht para fins do acordo norte-americano. Eu sou o suporte dele no Brasil, aprovado pelo DOJ, e aqui, sou o monitor aprovado pela força-tarefa da Lava Jato.

Quem paga seu salário?

É a própria Odebrecht que [me] remunera. Ela é obrigada a fazer o pagamento do monitor, e isso vale para cá e para o monitor [do acordo] americano também. Mas eu não presto contas a ela, eu presto contas ao Ministério Público. Sempre que nós tivermos uma discordância, um problema de interpretação, é o Ministério Público e, nos EUA, o DOJ, que vai resolver essa questão.

A que tipo de informação você tem acesso lá dentro?

A gente tem autorização para buscar qualquer tipo de informação que a gente considere necessária. Podemos participar de reuniões de órgãos de administração e todo tipo de medida que se torne necessária. Você tem que exercer esse poder dentro dos limites da sua função, mas em princípio, tem acesso pleno a tudo.

Mas você não tem o poder decisão, certo? Você não pode demitir uma pessoa, por exemplo.

Exatamente.

Tem um prazo legal para esse trabalho se encerrar?

O acordo americano é de três anos, podendo ser reduzido para dois, se o caso for de muito sucesso na empresa. O brasileiro é de dois anos, podendo ser estendido para três, se se entender necessário.

Você já trabalhava com regulação, quando comandou a CVM, por exemplo. Mas, dentro da advocacia, sua atuação já era voltada para esse tema?

Mais ou menos. Na CVM eu fui relator do caso Aracruz. A discussão, naquele caso, sobre o papel e os limites da atuação do conselho de administração, foi para mim um divisor de águas. [A empresa de celulose teve perdas bilionárias por conta da exposição excessiva a operações com derivativos, em 2008]. Depois, como advogado, eu comecei a trabalhar com conselhos de administração nesses processos de governança. Foi um pouco por isso que eu acabei migrando para essa atividade.

Você pretende se especializar mais nesse tema?

 Eu não pretendo mudar o perfil da atuação. Acho que muito da minha atuação relacionada a companhias já envolve essa questão da criação de mecanismos de controle e governança. Eu não pretendo ocupar um nicho específico de compliance anticorrupção ou coisas assim.
Então não vai abrir mais uma dessas consultorias de compliance…

Não, não. Eu prefiro atuar como advogado do conselho e criticar o trabalho das consultorias, que é um pouco o exercício que a gente está fazendo como monitor hoje.

Fonte: G1



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